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Chamas encurralam animais e deixam rastro de morte e "fome cinzenta" em MG
Animais carbonizados, feridos ou em fuga completam cenário de devastação na temporada das queimadas. Bombeiros registram aumento de 35,7% nos resgates
14/09/2024 12h19
Por: Redação

A cada incêndio florestal que varre as paisagens de Minas Gerais, as pegadas de milhares de animais silvestres também se apagam para sempre. De janeiro a agosto deste ano, os bombeiros registraram 57 ocorrências de salvamento de espécies da fauna silvestre em perigo no estado, um aumento de 35,7% em relação ao mesmo período do ano passado.

Esses números, porém, são apenas uma pequena fração do impacto real que o fogo causa na vida local. Muitos animais não são encontrados a tempo de serem resgatados; outros não conseguem sobreviver às queimaduras, à inalação de fumaça ou à “fome cinzenta” que se segue à destruição do ecossistema.

A tragédia não é nova, mas este ano se intensificou com a seca prolongada e as ações humanas que, deliberadamente ou por descuido, transformam vastas áreas verdes em cinzas. Agosto foi o mês com o maior número de incêndios florestais em quatro anos, totalizando 6.062 focos. E os primeiros dias de setembro já seguem a mesma linha: são 1.733 incêndios até o dia 9, o que equivale a 58% do total dos 30 dias do mesmo mês no ano passado, de acordo com o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG).

Nas matas, as chamas deixam um rastro de destruição, com animais carbonizados e até ovos de aves que acabam “cozidos” pelo fogo. À medida que as labaredas avançam, animais como cobras, pacas, araras, tucanos e micos são obrigados a fugir em busca de refúgio.

 

Quando as chamas se espalham, a prioridade dos bombeiros é o combate ao fogo. No entanto, em muitos casos, eles se veem diante de animais feridos e desorientados.

 

O sargento Allan Azevedo, do CBMMG, explica que, nesses casos, a equipe precisa decidir rapidamente o que fazer: “Se o animal estiver machucado ou correndo algum risco, conduzimos até os Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) ou clínicas veterinárias parceiras. Se não houver ferimentos, levamos para um local seguro, longe das chamas, onde possam se abrigar”, disse, em entrevista ao Estado de Minas. Antes de realizar a soltura, os bombeiros avaliam cuidadosamente o local, garantindo que ele ofereça alimento, abrigo e condições adequadas para a espécie.

A crescente demanda por resgates de animais em queimadas revela uma séria limitação: a insuficiência de pessoal para lidar com o aumento exponencial de ocorrências. Com 95 unidades de conservação monitoradas em todo o estado, os bombeiros contam com o apoio de entidades parceiras, como o Instituto Habitat, que atua na Região Central de Minas Gerais, para auxiliar no combate ao fogo e resgate da fauna silvestre.

A captura desses animais é um desafio por si só, agravado pelo relevo acidentado e de difícil acesso nas áreas atingidas. “A principal dificuldade é, muitas vezes, identificar os animais, especialmente aqueles em áreas abertas. Enquanto se tenta resgatar um, o fogo pode continuar avançando, colocando outros em risco”, revela Tiago Lage, presidente da entidade.

O trabalho de resgate feito pelo Instituto Habitat é voluntário e focado no primeiro atendimento emergencial. Muitas vezes, os animais precisam de intervenções cirúrgicas ou ortopédicas para sobreviver às queimaduras ou ferimentos causados pela fuga desesperada das chamas.

 

A entidade também realiza o acompanhamento e reabilitação daqueles que precisam de mais tempo para se recuperar. Quando um animal é considerado apto para voltar à natureza, ele é liberado em áreas seguras e em condições que aumentem suas chances de sobrevivência. “Para espécies que vivem em bandos, como a maritaca, a gente tem que pensar em uma soltura conjunta, para garantir que o animal se reintegre ao hábitat de forma eficaz”, detalha Lage.